segunda-feira, 20 de abril de 2009

Um abatanado no Café Leiteira


A música chora lindamente ao baixo volume do rádio. Se arrasta. A luz também se arrasta de amarelo-quase e vai lambendo as superf'ícies todas. Há um respirar em amarelo-quase. E isso se faz num arranjamento especial que logo acolhe.
Está sempre subindo na coluna uma aranha de gesso muito encaracolada bem. Ela se contorce como bixo-preguiça a trepar e trepar sem ter fim. Não tem pressa nenhuma enquanto faz o mesmo movimento-intenção. Da última vez que vim aqui estava na mesma situação. Ela sabe que isto não se esgota, que as coisas podem continuar sendo sem nunca acabar de ser.
A moça da minha direita tem o olhar em um lugar bem distante. Infectada por este tempo de dentro, tem movimentos bem lentos e relaxados. Pisca vagarosamente os olhos, cruza as mãos à altura da boca e pende muito levemente a cabeça.
Uma vez, há muito tempo atrás, veio numa carga de navio que voltava da Índia casais de azulejos desenhados. À esta altura só haviam blocos de pedra em Portugal. Os casais ficaram muito satisfeitos com essa imensidão de blocos para trepar, que de tanto fazê-lo, muito rapidamente toda Lisboa tinha filhotes, netinhos e bisnetinhos de azulejos trepados por toda a cidade. Os azulejos que ficaram na Índia ouviram a notícia sobre a grande farra que acontecia em terras lusas. Então houve uma grande promoção turística a Portugal e foi enorme a evasão de azulejos da Índia. É por isso que hoje se encontram várias construções apoiadas sobre azulejos trepados em Lisboa. E já quase não se encontram mais destas espécies em Índia. A imigração é algo incontrolável.

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